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CRAM avança no combate à violência, mas esbarra no silêncio das vítimas

CRAM avança no combate à violência, mas esbarra no silêncio das vítimas

Números da violência em Hortolândia foram apresentados durante palestra sobre Lei Maria da Penha, na última terça-feira (27/11), no Remanso Campineiro

 

Na convivência diária, atos de violência contra a mulher ainda passam despercebidos, são vistos como traços culturais, hábitos transmitidos de geração a geração. A falta de percepção da violência real gera a baixa notificação de casos, o que interfere nas estatísticas que orientam as políticas públicas nesta área. A avaliação é da assistente social e coordenadora do CRAM Hortolândia (Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Doméstica “Débora Regina Leme dos Santos”), Josefa Teixeira, que, juntamente com a advogada Lenita Sostena, abordou o tema durante a palestra “Lei Maria da Penha: conquistas e retrocessos”, que integra a programação do evento “Direitos Humanos em Debate”, promovido pela Secretaria de Governo, entre os dias 05/11 e 10/12.

Os dados apresentados pelas especialistas no evento, coletados em órgãos públicos paulistas, confirmam a avaliação da realidade local. Em 2018, enquanto o órgão municipal (CRAM Hortolândia) realizou até agora 2.981 procedimentos junto a mulheres agredidas e monitora 349 munícipes em situação de risco, as três delegacias de polícia existentes na cidade registraram somente 354 crimes contra a mulher, de janeiro a setembro. Em 2017, enquanto o CRAM realizou 1.300 procedimentos (de 09 de março ao fim de dezembro) e monitorou 282 mulheres, foram registradas nos órgãos estaduais, de janeiro a dezembro, 418 ocorrências. Nos dois anos, os principais casos registrados nos boletins de ocorrência foram de ameaças e agressões físicas (lesões corporais dolosas, ou seja, com intenção de ferir).

Josefa explica que os procedimentos feitos pelo CRAM Hortolândia incluem acolhimento da vítima; eventual acompanhamento à delegacia ou ao IML (Instituto Médico Legal); se necessário, retirada de pertences na casa onde mora com o agressor e encaminhamento até abrigo. Para ela, a divulgação de informações sobre o que é a violência doméstica ajuda não na conscientização, mas no “despertar” da vítima. “Percebemos que a mulher sofre violência, mas não tem consciência de que o que acontece com ela é violência. É algo cultural. Ela não identifica, naturaliza. Agora, com uma maior divulgação da Lei Maria da Penha, há uma mudança de percepção para o fato de que aquele ato é um crime e tem consequências”, afirma a assistente social.

Avanços no combate à violência

A criação de CRAMs nos municípios brasileiros é apontada pela advogada Lenita Sostena como um dos avanços da Lei Maria da Penha. O de Hortolândia, implantado pelo prefeito Angelo Perugini em 2017, que homenageia “Débora Regina Leme dos Santos”, uma das vítimas, está localizado na Rua Alberto Gomes, 18, no Jardim das Paineiras. Além do atendimento presencial, vítimas de violência podem buscar informações e apoio por meio dos telefones 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou 3819-6298 (CRAM). 

Outros pontos de atendimento são as próprias delegacias de polícia, localizadas no Parque dos Pinheiros, no Jd. Rosolen e no Jd. Amanda. Estes órgãos públicos formam uma Rede de Apoio, que, além das Polícias Civil e Militar, engloba a Delegacia de Defesa da Mulher, Ministério Público, Hospital, UPAs-24h (Unidades de Pronto Atendimento), CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e o próprio CRAM.

Lenita Sostena apresentou outros relevantes aspectos da lei, vigente há 12 anos, como o fato de a violência doméstica “acontecer dentro ou fora da casa da vítima. Basta que agressor e vítima tenham ou tiveram laços de convivência”. É a relação próxima, de confiança, que gera para a mulher as principais dificuldades em romper os laços afetivos, conforme ressalta a advogada. Entre elas estão: ligação afetiva com o agressor; medo de sofrer violência ainda maior; vergonha dos vizinhos, amigos, família; medo de prejudicar o agressor e os filhos; sentimento de culpa e/ou de responsabilidade pela violência que sofre; sensação de culpa na escolha do parceiro; e falta de condições financeiras para romper com o agressor.

Datada de sete de agosto de 2006, a lei federal 11.340 criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. A lei também protege quem tem identidade social com o sexo feminino, tais como lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros. Específica para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, além de categorizar os tipos de violência, esta lei proíbe a aplicação de penas pecuniárias (em dinheiro) ou cestas básicas e determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual.

O debate, realizado nesta terça-feira (27/11), reuniu cerca de 180 pessoas, dentre elas servidores municipais e bolsistas do Programa “Qualifica Cidadão”, no auditório do CFPE (Centro de Formação dos Profissionais em Educação) Paulo Freire, no Remanso Campineiro. A programação geral do evento se encerra no dia 10 de dezembro, com um simpósio que marca o “Dia Internacional dos Direitos Humanos”.

Para o diretor do Departamento de Direitos Humanos e Políticas Públicas para Mulheres, Amarantino Jesus de Oliveira, o Tino Sampaio, é de suma importância debater o tema. “Promover o debate gera o reconhecimento da violência, tira do campo do normal, do comum. Provoca as pessoas a refletir sobre sua relação e buscar os serviços de acolhimento. Por outro lado, o preparo dos servidores desta área, o acolhimento humano, gera confiança, o que aumenta a busca pelo serviço”, avalia.

Confira os números da violência contra a mulher em Hortolândia (fonte SSP/SP)

Em 2017, principais crimes registrados, de janeiro a dezembro:

  • Lesão corporal – 163;
  • Ameaça – 192;
  • Total entre todos os crimes registrados por violência doméstica - 418 

 Em 2018, principais crimes registrados até setembro:

  • Lesão corporal – 124;
  • Ameaça – 179;
  • Total entre todos os crimes registrados por violência doméstica – 354
  • Confira os atendimentos no CRAM

Em 2017:

  • 1.300 procedimentos (de 09 de março ao fim de dezembro)
  • 282 mulheres monitoradas

Em 2018:

  • 2.981 procedimentos (de janeiro a novembro)
  • 349 mulheres monitoradas

Veja abaixo os tipos de violência doméstica:

  • violência psicológica: xingar, humilhar, ameaçar, intimidar e amedrontar; criticar continuamente, debochar publicamente, diminuir a autoestima, controlar tudo o que ela faz;
  • violência física: bater e espancar; empurrar, atirar objetos, sacudir, morder ou puxar os cabelos; mutilar e torturar;
  • violência patrimonial: controlar, reter ou tirar dinheiro dela; causar danos de propósito a objetos de que ela gosta; destruir, reter objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais e outros bens e direitos;
  • violência moral: comentários ofensivos na frente de estranhos e/ou conhecidos; humilhar publicamente; expor a vida íntima do casal; inventar histórias e/ou falar mal da mulher para os outros com o intuito de diminuí-la perante amigos e parentes.
  • violência sexual: forçar relações sexuais quando a mulher não quer ou quando estiver dormindo ou sem condições de consentir; fazer a mulher olhar imagens pornográficas quando ela não quer; obrigar a mulher a fazer sexo com outra(s) pessoa(s); impedir a mulher de prevenir a gravidez, forçá-la a engravidar ou ainda forçar o aborto quando ela não quiser.

Orientações para mulheres que vivem em situação de violência:

  • Tenha sempre telefones de emergência;
  • Durante as agressões evite locais com acesso fácil a facas ou outros objetos cortantes, vá para fora de casa;
  • Evite revidar a violência, não use armas;
  • Sempre que possível leve as crianças consigo, elas podem ser usadas contra você como objeto de chantagem;
  • Guarde uma malinha com cópias de documentos, algumas trocas de roupas, objetos de primeira necessidade na casa de alguém de confiança;
  • Mantenha algum dinheiro escondido, ele pode ser muito útil;
  • Se tiver carro, guarde uma cópia da chave em local seguro;
  • Converse com pessoas de confiança e mantenha um plano de emergência. 

Veja também os avanços da Lei Maria da Penha:

  • Criação dos Crams (Centros de Referência e Atendimento à Mulher);
  • Qualificadora pelo Feminicídio: O crime de feminicídio em vigor desde 2015, que alterou o art. 121 do Código Penal, prevê como circunstância qualificadora o crime de homicídio e o torna crime hediondo, com penas de 12 a 30 anos de reclusão;
  • Criação de Varas Especializadas no assunto; 
  • O descumprimento de medida protetiva prevista na Lei Maria da Penha configura crime de desobediência, que pode levar o agressor a prisão preventiva, com pena de detenção de 3 meses a 2 anos;
  • Proíbe que a mulher entregue a intimação ao agressor;
  • Possibilita a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor, a depender dos riscos que a mulher corre

 

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